“Eu nem conseguia rezar”, desabafa empresária que se recupera da covid-19 após 18 dias internada

Um texto divulgado na manhã desta segunda-feira, 15, nas redes sociais pela empresária Barbara Teixeira comove a comunidade venâncio-airense. A jovem, de 31 anos, compartilhou com os amigos no Facebook os difíceis momentos pelos quais já passou enquanto se recupera da covid-19.

Após receber alta hospitalar, Barbara relatou a gravidade do seu quadro de saúde e agradeceu a todos profissionais que a atenderam. Em um dos trechos, ela escreve que não conseguia nem rezar e que apenas pensava em “respirar para voltar para casa”.

Ao longo do texto intitulado “Respirar e esperar”, a empresária agradece todo atendimento recebido e deixa um recado aos profissionais da saúde: “quando vocês se sentirem exaustos, apenas se olhem. Vocês personificam a fé que temos em tudo o que pode dar certo de novo”.

Confira o texto na íntegra:

Este talvez seja um dos textões mais cheios de incógnitas que me coloco a escrever. É que meu processo de escrita normalmente é despretensioso, só vem. E há dias eu saberia que teria que parar para compartilhar, escrever e explicar o que houve nas últimas semanas, pela minha ausência repentina no trabalho e pelos fatos que culminam nesse grande post.

Deu-se que peguei a variante da COVID. Eu, meu noivo Vini, meus amigos Cíntia e Degui. Nosso clã de convivência foi atacado pela cepa nova. E na segunda-feira do dia 22/02 nosso destino começou a seguir na rota incerta que venho contar da minha parte.

Uma tosse, muito parecida com alergia, me deixou ainda mais agitada que o habitual. Reforço de cuidados, primeiro teste negativo, desconfiança, piora, dor no corpo, marcação de consulta e teste dois positivado. O diagnóstico vem, a ficha cai. Você precisa munir-se de medicação e ir pra casa.

Pega o computador, um spray de Lysoform para ir passando no caminho, sai aspergindo tudo, dispensa o colega da equipe, entra no carro, estaciona e chega em casa. Se organiza no que tem para comer (serão aproximadamente dez dias, rápidos). Faz uma lista de mercado, aciona a rede de apoio para deixar tudo na porta, sem toque. Tudo certo, arrumado, a operação do trabalho vai ser de casa, você vai tomar Alivium e vida que segue. Em dez dias, poderia voltar a dar uns abraços imunizados por aí. Pensa, o prognóstico era bom.

Mas aí, fora do meu plano, teve febre. Eu não desenvolvia febre há mais de dez anos. A febre veio com dores que envolveram todas as minhas articulações. Todas. Do dedo do pé ao pescoço. E meus olhos doíam de um jeito que eu não sei explicar direito. Um peso com dor. No primeiro dia, para tentar trabalhar, posicionei meu tapa-olhos na metade da cabeça, de modo que meus olhos ficassem semicerrados para eu encarar a tela do pc e do celular. No outro dia, o pedido de uma tomografia do pulmão – praxe- trouxe mais uma onda de susto. A fraqueza aumentou e eu já não me reconhecia. -Como tu tá? “O pó do caco” era o que eu conseguia responder.

E naquele dia do exame o diagnóstico apertou o calo. Poucos dias, 50% de pneumonia viral tomando o pulmão. Internação domiciliar. Hospital cheio, cidade em fervorosa preparação de lockdown e eu mal… A internação em casa pela Unimed providenciou o olhar atento da enfermeira Viviane. Paramentada até os cabelos, me colocou acesso no braço, remédio na veia, na barriga, eu nunca tomei tanta injeção na vida. E controle de oxigênio…cada dia, pontos abaixo. “Fica pronada”. Pronar é deitar de bruços para liberar o ar dos pulmões. E assim eu passava os dias. Febre, suor, pronar e ofegar. Na quarta pela manhã eu já estava prostrada demais. À noite, eu pedi ajuda e o hospital entrou na conversa de vez.

Minha saturação estava baixa, eu estava fraca demais e ofegante demais. E através da Unimed e de dois ou três telefonemas de orientação, que meio que apaguei da memória, estava sendo conduzida ao São Sebastião Mártir, bem no meio daquele cenário horrível de lotação e incertezas, esperada pelo Dr. Guilherme Furst Neto. “Guili, não tô bem!”; “Eu sei, tô vendo”. A partir daí é aventura, meu amigo. Cano no nariz, fraqueza, exames, remédio e medo. E a piora ainda iria vir. Mais um exame, mais um comprometimento, 70% do pulmão. Sala Vermelha já.

Transfere de maca, olha pro teu noivo, diz que ama e confia na frase que vem do corredor “nós vamos cuidar de ti”.

Eu lembro só de muita gente me virando, da Enfermeira Kamila me sondando e eu, muito grogue e com medo, ouvir “calma, tá saturando, vai dar certo!”

Horas naquela posição, e, vez e outra, uma voz abaixada no pé do ouvido: fica forte, estamos aqui, tu não está sozinha. Eu confesso que demorei dias para reconhecer as pessoas, mas nem um segundo para sentir o apoio, o carinho, a verdade de terem ido me acolher.

No decorrer da noite, o meu milagre. A Unimed conseguiu providenciar um aparelho de alto fluxo, para que eu pudesse respirar. 60 litros de ar por minuto (se não me falhe as informações) para dar conta de eu não precisar ser entubada (que é, antes da morte, o pior medo de quem passa por isso).

Vento pra dentro, consciência restabelecendo e o marco de tudo. Agora era esperar. O COVID é muito rápido na atualização do sistema e muito, muito complexo de desconfigurar. “Não tem previsão de alta, tá, Bárbara?”. Uma médica me olhou firme sobre a máscara. “Tá”. Não perguntei mais.

Esses dias foram de provações intensas daquelas que nunca pensamos em como são, realmente até quando simplesmente acontecem. Um exemplo: eu nem conseguia rezar. Daí um dia a enfermeira (e tia do coração) Elaine apareceu na sala onde eu estava e a enfermeira Aletheia estava lá também. As duas sabendo do meu caso, se pararam no pé da minha cama e falaram: você está bem agora e Deus está contigo. Foi a prece mais bonita que eu recordo. Outro dia um médico disse: esse auto fluxo livrou você do tubo. Eu agradeci!

Num dia de manhã, as meninas da técnica chegaram para um banho de leito. Havia dois dias que eu nem havia feito a higiene. E eu fiquei menstruada. Eu estava sem nada: roupas, calcinha…eu só tinha uma chuca no cabelo e a camisola do dia da entrada no hospital. Só! Elas lavaram meu rosto, minha boca, meu corpo, minha higiene íntima, colocaram fralda, fizeram um novo coquinho no meu cabelo e depois trocaram minha roupa de cama. Eu chorei de gratidão. E a fome que não vinha? Só conseguia comer gelatina. E elas criaram a melhor rota de gelatina que já vi, para, minimamente, me nutrir. “Barbara, quer uma gelatina?” Sim, todas, de todas as cores.

Até que eu me sentisse realmente bem passariam alguns dias. Um, dois, três? Nestes, eu fui alimentada de afeto, além de cuidados e medicação.

Todos os amigos do hospital me levavam palavras, uma mão que apertou a minha mão. Um desejo de calma. Uma mensagem da minha família. “Avisa eles que tô bem? Aviso!” , “Te trouxe um vídeo deles”.

E no meio disso tudo, eu encontrei a frase “Respirar para voltar para casa”. Tenho feito isso distraída, olhando para o meu dedão do pé na cama. Ele se mexe, eu puxo e solto o ar. É mantra? Mania? Era o gatilho. Entre uma fisio, uma reconsulta, uma avaliação, um banho, uma diminuída no fluxo de compensação do O2…Dentre as outras notícias que vão além da minha própria história, mas estão acontecendo em meio a isso e tudo e mexem mais afundo nos nossos sentimentos.

Faz três noites (ao escrever esse texto) que pude vir para o quarto dar seguimento ao tratamento. As coisas vão melhorando e a evolução (embora eu já achasse que estaria 100%) ainda está em andamento. Agora tenho me nutrido das informações desses dias todos e mensurando – ou melhor, tentando absorver- a quantidade de positividade emanada para cá.

Desde minha mana, que nunca foi religiosa e criou uma corrente de orações “para esse Deus que tu acredita tanto”, as mensagens, os clientes…

Minha última ação como empresária foi um aviso automático sucinto no Whatsapp “Não consigo responder mais”. Eu deixei todos vocês na mão. Sem campanha. Sem suporte no lockdown. No dia da Mulher. E eu sei disso, mas eu não tinha como ter outra atitude, ou não sabia o que fazer. Eu precisava permanecer viva.

Esse texto é um pedido de desculpas, mas sabendo que não há de fato uma culpa. É um lamento porque jamais pensei que pudesse acontecer com a gente assim.

Eu entenderei as consequências disso com maturidade e amizade, buscarei formas de nos reorganizarmos, mas, antes de mais nada, eu agradecerei porque a torcida de vocês, as mensagens que estou recebendo, tudo vem me mostrando que estava mais que trabalhando. Estou caminhando com pessoas de bem e do bem.

Neste domingo ganhei a minha alta, sigo me restabelecendo e reaprendendo sobre as consequências do Covid no meu corpo. Segurando o facho, que quer porque quer reacender, mas vou me organizando para frente, com a graça de Deus que não dorme, com a força emitida por todos e pela minha vontade de viver e agradecer quem me permitir. Estar hoje viva e bem para escrever esse textão é a vida seguindo o seu fluxo.

Aos médicos Guilherme Furst Neto (Guili), Kado, Fragomeni, Pappen, Jaque Froemming, Juli Assmann e aos que não sei ou não lembro o nome, mas que passaram por mim, aos enfermeiros e técnicos, que nomearei na Kamila, na Lu Pretto, na Mariana Reis, no Paulo, na Lu, na Viviane, na Marlene (gotinhas mágicas), nas fisios Nina, Ramon, Ana, Karen, nas copeiras e nas profissionais da limpeza. Metade de vocês eu não sei o nome, mas sinto verdadeiro amor e gratidão por cada um.

Queria dizer uma coisa: Deus está na ação de vocês, cheia de agilidade, conhecimento, empatia, rapidez e esperança. Quando vocês se sentirem exaustos, apenas se olhem. Vocês personificam a fé que temos em tudo o que pode dar certo de novo.

Não há nada mais de Deus do que seres humanos como vocês. Minha gratidão, admiração, respeito, afeto, carinho e amor puro e verdadeiro. Obrigada por me salvarem da COVID.

Sigo respirando para ficar 100% e para propagar em alto e bom som o quanto precisamos ser responsáveis pelo nosso cuidado nessa pandemia e valorizá-los, muito e sempre!

“Existirá, e toda raça então experimentará, para todo mal, a cura” (Lulu Santos)

*Colaborou a jornalista Veridiana Röhsler

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